A morte
- Andreia Mariano
- 15 de jun.
- 2 min de leitura

Hoje preciso escrever sobre a morte. Ela, que não me foi apresentada, apenas entrou derrubando portas. Ela, que me acompanha desde que nasci, mas que sempre quis manter-se como uma estranha desconhecida. Ela, que se tornou parte cada vez mais evidente da minha vida desde que me mudei para Portugal.
É difícil falar sobre a morte. Percebo-a apenas por uma única perspectiva, e ela dói — uma dor doída de quebrar pratos, trincar paredes e rasgar tecidos. Daí a evitação, daí o medo.
Lembro do dia em que puxei a carta da morte no tarot: a espinha tremeu de calafrios, o horror. Precisei conversar com essa carta, e, a cada pergunta, vinha a realização de que ela tinha mais a dizer para mim do que eu a ela.
Neste mundo, onde há tantas guerras, onde crianças morrem todos os dias, onde pessoas adoecem e aviões caem sem aparente justificativa lógica, há um homem que sai da tragédia andando, sozinho, desnorteado — o único sobrevivente do desastre fatal para outros 241 passageiros. Não há explicação para a morte, ou sequer para a vida, a não ser sua constante alternância, perceptível a cada estação.
A morte tem-se feito cada vez mais visível em minha vida — digo visível porque presente ela sempre esteve, a chamar aqueles que amo, alguns que não conheço, outros que nem sei, e a me esperar, a esperar por cada um de nós.
Paciente que é, oferece tantas oportunidades para a vida. Permite que um coração cansado volte a bater e dá-me tempo para contemplá-la — de longe, de perto. Tempo para a compreensão de que todos vamos para o mesmo lugar. O que importa apenas é como fazemos a caminhada.
Não posso afirmar que, apesar de visível, sua presença tenha-se tornado mais alentadora. Toda transformação requer sacrifício, e sou, ainda, muito apegada à beleza das minhas flores, ao miado dos meus gatos, aos sorrisos dos meus filhos e a todos que, de uma forma ou de outra, fazem parte da minha vida.
É difícil imaginar como o mundo pode continuar sem que alguém que amamos esteja nele. Mas tudo segue, e a vida sempre continua — afinal, é para isso que a morte existe.
Ela nos ensina a viver, e é a sua presença que faz com que a vida valha a pena. Afinal, é para muitos um consolo, e para tantos, o impulso definitivo para a realização de sua missão no mundo. Missão essa que pode ser a mais singela, mas nunca menos importante.
A morte espreita, e aqueles que a veem agem, pois reconhecem a ciclicidade da matéria.
Apesar de ainda evitar seus olhos, tento ser sua amiga, para que ela me leve em paz.
Peço que permita mais tempo àqueles que precisam, que me dê forças para superar as perdas, mas, principalmente, que me incentive a cumprir o meu propósito — para que, quando meu dia chegar, eu possa encará-la sem medo.
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