Pintar. o perto e o longe
Uma das tarefas mais difíceis para uma recém-descoberta pintora é a capacidade de enxergar como uma pequena pincelada aqui ou acolá vai formar a imagem final e completa do quadro. Na etapa em que estou agora, devo pintar o mar. As ondas e espuma se confundem com minhas emoções e evidenciam a minha dificuldade em acreditar que uma batidela de leve do pincel melado na tinta, passado no pano e usado para borrar o traço meticulosamente construído irão gerar a imagem fidedigna de uma onda.
Minha mestra me diz que as ondas não são linhas perfeitas e que o risco que orgulhosamente construí a afasta do real. Pede que eu me distancie da tela e veja a diferença da onda desenhada e da onda feita à pequenos toques e espanados de pincel. De longe, a imagem clara demonstra a ineficiência das minhas tentativas de controle e perfeccionismo, mas também a importância de enxergar o quadro como um todo.
Comparo logo, como é do meu feitio, aquela experiência com minha vida. Onde fico tentando posicionar os pincéis com precisão somente para descobrir que as pinceladas de confiança, aquelas pequenas e aparentemente incoerentes, são as que melhor compõe um quadro que agora ainda não consigo enxergar como algo que me pareça real, mas que com um pouquinho de afastamento, toma forma e faz muito mais sentido do que eu imaginava.
Vejo, hoje, com nitidez, a tinta que botei na tela das minhas experiências sem muita pretensão, achando que talvez pudesse dar certo, e que acabaram construindo caminhos ainda melhores do que os que eu poderia ter imaginado. Enxergo, também, como esses borrões trouxeram autenticidade e uma beleza indômita para obra da minha vida.
Pintando esse quadro tento lembrar de sempre dar alguns passos para trás e ver a composição completa surgindo na minha tela antes de tiranizar o sonho ou decidir que meus esforços estão sendo em vão. Entrego, confio, aceito, agradeço. Palavras de ordem para quem pinta e quem vive.
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