top of page

Sobre cães, yoga e primavera


Passei dois anos planejando uma mudança para o Canadá. Imagine a minha surpresa quando a pandemia desviou tanto o meu caminho que acabei parando em Portugal. Foram muitas experiências vividas aqui, mas uma das minhas favoritas foi observar a mudança das estações. Sendo de Brasília, uma cidade árida e quente, estava acostumada com a estação da chuva e da seca, mais nada. Acompanhar folhas alaranjando-se, galhos enudecendo-se, flores brotando e o sol esquentando os dias trouxe novas perspectivas sobre a ciclicidade da vida e a importância de aproveitar cada momento assim como está.


O inverno que aqui, muito mais frio que no Brasil, mas nem perto dos -18º aos quais teria de me habituar no Canadá, manteve-me confinada em casa e em mim mesma. Permanecer aquecida demandava energia demais. Apenas a Primavera foi capaz de trazer uma nova disposição com o aumento das temperaturas e as rosas e tulipas decorando a paisagem outrora morta-sem-chance-de-renascimento, ou era assim que parecia.


Tapete em baixo do braço, rumei para praça que conecta meu prédio a outros três igualmente distribuídos. É um espaço amplo e verde, pouco habitado nas noites longas e frias, mas que parecia renovado com ameixeiras roxinhas e um brilho dourado da nova estação. Comecei minha prática usual de saudação ao sol, conectando-me com a energia do movimento das estações. Fazia a árvore, enquanto pessoas chegavam com seus cachorros para o passeio diário.


A cada movimento, notava um novo integrante juntar-se ao grupo acompanhado de seu melhor amigo de estimação. Em torno de 15 minutos, a reunião estava consolidada. Riam e conversavam distraidamente enquanto os animais passeavam pelo parque. Dona de felinos que sou, nem imaginava que aquele tipo de evento ocorresse. Gatos cuidam-se praticamente sozinhos. Possuem o mesmo espírito independente das pessoas com quem dividem a casa.


Ao posicionar-me no cachorro olhando para baixo fui responsável por uma comoção generalizada. Os animais partiram em minha direção latindo. Seus humanos tentando trazê-los de volta pela coleira justificavam sua atitude como estranheza em ver uma pessoa naquela postura deviam achar que era um cão como eles. Dei uma risadinha sem graça, ainda de cabeça para baixo, evitando confronto e mordidas ao mover-me diretamente para a pose do cadáver, momento de integração e reflexão sobre a prática.


Ao entregar-me ao chão, uma reverência à primavera agregadora, capaz de reunir donos de gatos e cachorros em uma circunstância, no mínimo, inusitada e de trazer vida, não só às árvores, mas à praça que deixara de ser silenciosa e solitária. Em seguida, aos cachorros, mobilizando pessoas a exercitarem-se, encontrarem-se umas com as outras, trocarem palavras e sorrisos. E aos seus donos diligentes, sociáveis, habituados e, pelo menos naquela ocasião, alegremente complacentes à rotina da vida portuguesa.


Por último, um agradecimento a mim mesma, por ter tido a força de sair do casulo e me colocar em cima do tapete, no outro lado do Atlântico, abaixo do sol. A dona de gatos, Brasileira, imitando um cão na praça central, movimentando-se a quebrar a harmonia daquela tarde de primavera, dando-lhe uma cor inusitada.


Agora, em toda honestidade, o ponto alto mesmo, foi a constatação de que eles acreditaram que eu era um deles! Me incluíram em seu grupo. Não as pessoas, essas não confiam de cara em uma completa estranha. Os cachorros, é claro. Reconheceram-me como igual. Sinal de que estou interiorizando a postura? Ou minha loba interior? Ou apenas a confirmação de que cães não são mesmo tão espertos quanto felinos?


Uma excelente prática. A abertura da estação não poderia ter sido melhor. Namastê!


Comentarios


WhatsApp Image 2023-03-24 at 10.38.46.jpeg

Olá, que bom ver você por aqui!

Sou Andréia CC Mariano, escritora, educadora, filósofa, yogi, mãe, mulher, brasileira e portuguesa. Cidadã do mundo e amante das artes.

Fique por dentro de todos os posts

Obrigado por assinar!

  • Facebook
  • Instagram
  • Twitter
  • Pinterest
bottom of page