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Pela extinção da sala de estar


Aqui em Portugal, moro em um apartamento desses mais antigos, típico dos anos 80. Um apartamento com bidê e hall de entrada, que me lembra a minha infância.


Na casa dos meus pais tínhamos um bidê também, artigo de luxo que, na época, eu não valorizava e, hoje, aos quase 40 anos, acho o máximo ter em casa. Não pela elegância de dizer que possuo algo que necessita ser nomeado em francês, ao que me bastaria ter um abajur, (que aliás, também não via desde os 10 anos de idade, até encontrar um exemplar aqui nesta morada em Coimbra) mas porque ser mulher com um bidê é muito mais fácil. De qualquer forma, não é sobre este item de ostentação que quero falar hoje, mas sim sobre a quase extinta sala de estar, que encontrei por estas bandas.


Meus pais tinham muito orgulho da sua sala de estar, formatada por sofás cobertos por capas estampadas em flores, mesa de centro em vidro e almofadas, muitas almofadas. Sempre que chegava na casa dos nossos parentes nos dirigíamos para sala de estar e lá estávamos por algumas horas enquanto todos bebiam, fumavam, conversavam e aguardavam alguém chamar para o almoço ou jantar.


Eu nunca gostei da sala de estar. Sempre achei difícil competir com as almofadas, com as vozes e risadas, aguentar a fome e a postura de menina, pernas cruzadas, mãos paradas, boca fechada. Nunca entendi por que eu precisava estar, quando, de fato, não estava.

Na sala de jantar, as coisas eram diferentes. Havia comida. Muita comida. Só íamos lá para nos alimentar. Comer e ouvir os adultos. Subjugados à mesa das crianças, nos contentávamos com o que nos era ofertado. Macarrãozinho, arrozinho, feijãozinho, franguinho, peixinho e o odioso leguminho. O mundo da sala de jantar era tão pequenininho e igualzinho.


Conforme cresci, vi a sala de estar ser substituída pela sala de TV. Com as refeições em família diminuindo, o álcool e o tabaco com a reputação em risco, precisávamos de um novo barulho para preencher o vazio daquele espaço. A sala não era deles, ou minha, era da TV. Todos sentados à sua volta, ouvindo suas sábias palavras. Quando ousámos emitir algum som, recebíamos um alto e inequívoco SHHHHHH! A voz da TV não podia ser silenciada.


A sala de jantar deixou de ser frequentada. A comida era consumida agora na sala da TV, cada minuto ao seu lado era precioso demais para ser desperdiçado.

Com tantos cômodos vazios as pessoas começaram a sentir-se sozinhas, isoladas umas das outras e resolveram derrubar paredes, juntar cozinha, com sala de jantar, com sala de TV (a antiga sala de estar). Chamaram isso de “open concept”. É claro que que eu quis uma casa assim quando cresci. Dava para ouvir a televisão, que estava sempre ligada, lá da cozinha!


Foram anos vivendo em uma casa “aberta” até a pandemia, aquela que começou com as pessoas gripadas e evidenciou a verdadeira pandemia que estamos vivendo hoje. Pois bem, na pandemia, a casa “aberta” parecia TÃO fechada. Precisei sair. Fui para um casebre no meio das montanhas com minha família. Uma casinha tão simples que precisávamos dormir abraçadinhos para não morrer de frio a noite. Uma casinha tão pequena, que precisávamos colocar a mesa para fora de casa para sentar para comer.


Uma casinha sem sala, nenhuma. Sem TV. Uma casinha enorme! Onde escovávamos os dentes vendo o nascer do sol, na mesma varanda em que comíamos. Uma casinha sem internet, completamente conectada com o mundo. Foi daí que criei este novo conceito arquitetônico, que aliás tenho certeza que será padrão daqui a alguns anos: a varanda do ser, muito melhor que qualquer sala de estar.


Uma varanda que não é limitada por paredes, que recebe o que vem de dentro para fora. Lá, é a nossa varanda. Podemos sentar, ficar em pé, falar, escutar, comer, contemplar, respirar ar puro, escovar os dentes, escrever. SER e estar verdadeiramente, de corpo e alma.


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Sou Andréia CC Mariano, escritora, educadora, filósofa, yogi, mãe, mulher, brasileira e portuguesa. Cidadã do mundo e amante das artes.

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