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Eu e ela


Passei a vida toda tentando criar distância entre mim e ela. Quando de criança chamavam-me por seu nome, tentava ignorar, mas uma parte minha sentia duramente a identificação refutada. Apesar de nascida em Brasília, sempre fui do mar. Pisciana com ascendente em escorpião, nadava até em banheira. Mas, meu sonho, como de todas as que cresceram na geração Disney/Barbie era ser pequena, sereia e não grande baleia.

Se o maior desejo de Ariel era abandonar as barbatanas e seguir caminhando com seus próprios pés, o meu era abandonar os quilos a mais e com ele o apelido que me assombrava desde os 8 anos de idade. Vale dizer que eu nem era tão grande assim, mas também nunca fui pequena e isso era o suficiente para provocações infinitas. É estranho ser mulher em um mundo em que se não podem te diminuir em medidas, te diminuem em palavras. Aquela, definitivamente, me fazia murchar.

Foram anos até eu incorporar minha baleia interior e me orgulhar de sua grandeza. Quando finalmente cheguei lá, nem ouvia mais esse nome, parecia realmente ultrapassado, até esse ano, quando novamente me deparei com a fulana-de-tal.

Logo após a balança me acusar de ter ganho alguns quilos, recebi um e-mail com a lista de poemas a serem declamados em um sarau. Cada pessoa seria responsável por um texto de Ana Luísa Amaral em uma homenagem à poeta. Entre, abelhas, pássaros, gatos e borboletas, fui eu a receber o poema “A baleia”, constatação que me levou devolva à 3ª série imediatamente (Andreia e Baleia não estavam tão integradas quanto eu imaginava).

Respirando fundo ultrapassei o choque inicial para a leitura do subtítulo: do coração ou da beleza, ou perspectivas e mais uma vez senti pulsar em mim o sangue de baleia azul enquanto lia os versos “um cemitério de ossos por esqueleto/epitáfio que o tempo amordaçou/por baixo, o coração, facsimilado e nu”.

Meses depois, em visita ao Porto, vi o esqueleto da baleia ao qual o poema se refere exposto, dependurado no átrio do museu. Uma visão impressionante da grandeza daquele mamífero já que ao lado está a ossada de sua menor contraparte. E, eu, ali no meio, a contemplar todo o espectro de magnitude existente em nosso planeta. Meu filho, que me acompanhava, comentou que seu amigo morria de medo de baleias. Temia ser engolido por uma. Talvez por isso, quando nadava gorda e resplandecente não alcançava tantos olhares impressionados quanto agora, esquelética, inanimada, estática.

Agradeci por toda carne que tenho em meu corpo, pela liberdade de nadar livremente, por meus ossos terem um lugar garantido embaixo do chão, por conseguir olhar para mim mesma e me orgulhar da minha baleíce de coração enorme e de jogar água para tudo quanto é lado. Mas, principalmente pelos que estão à minha volta não temerem o meu tamanho.


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Sou Andréia CC Mariano, escritora, educadora, filósofa, yogi, mãe, mulher, brasileira e portuguesa. Cidadã do mundo e amante das artes.

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